Era uma vez uma princesa de um reino muito lindo: o reino azul.
A princesa vivia feliz e contente, sempre sorridente, exceto por não ter
um príncipe ao seu lado. Todos os dias a princesa orava a Deus: -Pai, meu pai
me dá um príncipe lindo e que te ame acima de todas as coisas, que seja lindo e
corajoso!
Os dias passavam e nada do príncipe chegar. Às vezes a princesa chorava,
mas não deixava de acreditar. Sempre apareciam reis, plebeus, servos, até mesmo
escravos, muito bons e bonitos, até mesmo ricos, mas nada de um príncipe da
linhagem real que tocasse seu coração.
Ela sempre dizia que mesmo sendo príncipe, do que adiantaria se não
tocasse seu coração. Claro que ela queria um príncipe lindo, mas além da beleza
exterior ele tinha que ter algo a mais. Ele deveria saber quem era, onde iria chegar,
como e com quem iria chegar. Teria que ter aquele charme especial para que não
tivesse aquele gosto de estar beijando sapo.
Um belo dia, na porta do castelo, enquanto a princesa conversava e
discutia assuntos sérios, como organização do reino e cor do cabelo,
aproximou-se dela um belo cavaleiro com pensamentos geniais, expondo ele suas
ideias sobre o reino e seus administradores. Logo o coração da princesa saltou
de alegria, gritando em voz silenciosa, que era aquele, o príncipe que ela
esperava a vida toda.
Então eles conversaram, conversaram e resolveram conversar mais e mais.
Entre conversas e conversas sobre reino, súditos, reis, rainhas, casa, castelo,
viagens, filhos, casamentos, felicidade e amor, o coração da princesa já estava
envolvido pelo príncipe. Foi então que decidiram perguntar à Deus se era a
vontade Dele estarem para sempre juntos e fundarem o Reino Larazul.
Mas como nem tudo na vida é um conto de fada e nem se vive para sempre
feliz, a felicidade e oração dos dois tementes a Deus, levantaram a fúria do
reino escuro (aquele que faz tudo para atrapalhar e que não gosta de pessoas
felizes), a Bruxa Magrela Magricela, do nariz grande e cabelo de fogo, logo
começou a arquitetar um plano do escuro para acabar com a felicidade da
princesa.
Em um belo churrasco, numa noite de sábado, a bruxa enfeitiçou o
príncipe, roubando dele a consciência e a santidade. Ele, doido, acabou
beijando a bruxa e com o veneno dos lábios dela ficou louco, doido da cachola. Na manhã seguinte
ainda doido, mas menos doido, procurou a princesa e contou a ela tudo o que
havia acontecido, ela apaixonada, viu seu mundo desmoronar, seu castelo ruir
assim como seu sonho.
O príncipe chorou e fez juras de amor sem pé e nem cabeça, a princesa com
os olhos em lágrimas e coração partido disse que por enquanto não daria para
estarem juntos.
A bruxa feliz da vida conseguiu acabar com a felicidade do casal. O
príncipe ainda louco e com o veneno da porção mágica da bruxa Magrela
Magricela, esqueceu-se do amor que antes sentia e da vida feliz que levaria.
Agora ele estava solitário e infeliz, mas do lado da bruxa (não se esqueça
Magrela Magricela), que enfeitiçado, consentiu em se casar com ela.
A princesa sem entender o que tinha acontecido continuou no seu reino
azul, mais azul do que nunca, porém agora também acinzentado e dolorido de um
amor não vivido, da esperança que não passou de chuva de verão, que vem e sem
paradeiro, como vento que passa, ora rápido, ora devagar, mas sempre vai
embora. Com olhos sempre vermelhos, a princesa sempre chora a noite por não entender
como alguém que a gente um dia amou tanto, vai embora assim, tão de repente,
deixando a vida tão cinza.
Mas a vida ainda não chegou ao fim, quem sabe outro príncipe vai chegar e
limpar o céu do coração da princesa ou até mesmo o príncipe bobo e enfeitiçado
consiga romper o feitiço e se livrar da bruxa Magrela Magricela.
Em noite de chuva, a princesa chora, pensa em como ter o antídoto para o
mal que a bruxa Magrela Magricela causou em sua vida, como se livrar daquele
feitiço, como? E se ela fosse estudar farmácia? Ser uma farmacêutica demoraria
tempo demais. E se ela estudasse plantas? Quem sabe na natureza acharia a cura.
Mas e se na verdade aquele príncipe fosse um sapo que era príncipe só de
vez em quando? Meu Deus, que loucura é a vida, que devaneio é querer viver sem
percalços, como se livrar das dores causadas por espinhos em meio às
flores?
A princesa ainda está estudando o caso do que fazer e enquanto isso chora
a ausência de sonhos felizes e da cor azulada do seu céu sem nuvens de tristeza
e solidão.
Certa vez contaram à princesa que a felicidade mora ao lado e que é a
gente que não consegue vê-la. Tudo bem que a princesa é míope e sem os óculos
de armação azul ela não enxerga muito bem, nem o que ta há um palmo na frente
dela, ainda mais o que tá do lado. Mas de óculos fica tudo bem.
A princesa ficou a se perguntar: - Se a felicidade mora do lado, de que
lado? É meu vizinho? Senta ao meu lado na escola? Está do meu lado no baile?
Lado da frente ou lado de lado? Me ajuda! Felicidade mora ao lado, se isso é
uma dica só piora as coisas.
Agora a princesa ficou com uma pulga na cabeça que não para de pular e
dançando saltitante fica rindo muito, dando boas gargalhadas. Então deve ter um
circo, é isso, um circo de pulgas na cabeça dela.
São ideias saltitantes que a incomodam, como se tivessem pés ou patinhas,
ou melhor, molinhas nas patinhas.
Ideias! Pulguinhas! Molinhas! Patinhas!
E a felicidade mora do lado! Esquerdo ou direito?
A princesa perdida em tanta informação pensa: - Ele ainda não está do meu
lado. Do meu lado direito tem um baixinho, careca, barrigudinho e sei que você
não é assim, também não sei como você é, nada contra, mas... Da esquerda um
alto, moreno claro, cabelo... credo, horrível! Sorriso torto, cara feia, Deus,
que horror! Se você amor, for feio assim...
Mesmo não acreditando nessa história a princesa decidiu a passar a olhar
do seu lado, quem sabe na festa da virada da lua eles estejam lado a lado e
quando ela se virar, ele virará no mesmo instante e seus olhos se entrelaçarão
como o brilho das estrelas em noite clara, ela o verá e ele a verá e andarão como
em nuvens de algodão e dançarão entrelaçados em uma doce sintonia a noite
toda.
Não pude resistir, tive que vir aqui para contar como está o coração da
princesinha e ele está doido, tudo doido. Não sabe nem em que pé e nem em que
cabeça está e nem com quem está. Poderia estar com muitos, mas, não está com
nenhum. Acredita?
A princesa está morrendo de medo de sofrer tudo de novo, de bruxas
xexelentas entrarem de novo em seus contos de fadas, mesmo que agora ela saiba que
não existem contos de fadas, que os contos não são tão encantados e que felizes
para sempre somente existem em livros. Porém o coração da princesa é teimoso,
como já se percebe, parece um cavalo ainda não domado com fúria selvagem.
Tenho que contar de alguns cavalheiros que o coração da princesa acha
especiais, mas não consegue se decidir por causa do medo que ainda a impede de
ir em frente. Não faça como a princesa, que chora até hoje, já não por um amor
perdido, mas pela dor que ainda habita em seu coração, não dando espaço para um
novo amor, um novo começo.
A festa chegou, a festa da virada da lua! A princesa encheu seu coração
de esperança, esperando que a lua trouxesse novos ares, novos ventos sobre seu
coração e sobre sua alma.
Sabe quando a dor ainda é tão grande, tão grande que você não consegue
parar de pensar ou começar de novo? Cada passo à frente é como se tocasse em um
lugar no passado da princesa que a faz sofrer, recuar e sofrer mais ainda.
Hoje a rainha disse à princesa que ela estava parecendo trinta anos mais
velha e ainda disse: -Troque a maquiagem agora, ela está te envelhecendo!
Como trocar a maquiagem se o que está velho está no coração!
Trocar a maquiagem é fácil, difícil são as cicatrizes de um coração
ferido. Difícil é arrancar as lágrimas cristalizadas no coração. Para o rosto
existem plásticas, para o corpo existem corpetes e purpurinas, para os pés,
sapatos e saltos, para os cabelos... E para a alma? E para o coração?
É fácil ver de fora, o difícil é ver de dentro para fora, achar sentido,
sorrir, brincar, rejuvenescer, cantarolar, andar sobre meios fios. Como é
difícil sonhar se a única coisa que você percebe são pesadelos, música fúnebre
e lágrimas cortantes.
Vestir-se de purpurinas, tecidos finos, cabelos perfeitos e diamantes nos
dedos não são uma garantia de sorriso. Pena que o curvex transforma os cílios e
não a alma.
O que a rainha não viu era que a princesa não precisava de outra
maquiagem e sim de um colo, não de rainha, mas de mãe. Culpa da rainha? Não. A
culpa era da princesa que não queria deixar transparecer a dor que ainda sentia
do mundo, do seu mundo destruído.
Erga as mãos quem nunca sofreu por amor, que beijarei seus pés, deixarei
o jornal do reino e serei eternamente súdito de sua boa sorte ou de suas boas
escolhas.
Mudava a lua e nada mudou, a princesa apenas decidiu por escolhas
diferentes. Sabe a festa que a princesa tanto esperou? Foi sususu... Ela estava
deslumbrante, feliz ao máximo que seu coração permitia.
Na contagem regressiva, o coração da princesa ia pulando conforme ia se
aproximando o “levantar da lua”, com o coração e a esperança ao máximo, começou
a contagem regressiva...
Dez, nove, oito, sete, seis, cinco, quatro, três, dois... UM!!!
“LUA NOVA!!!”
Embalados ao rits do momento, a festa do reino foi um sucesso. Opa! Um
sususu... su-super sucesso!!!
Você já foi à um reino? Não? As melhores comidas em quantidades
gigantescas, danças dos mais variados tipos, risos altíssimos e penetrantes,
belos vestidos dos mais conceituados nomes da moda do reino, os mais belos
príncipes, súditos, cavalheiros, as mais belas damas e donzelas, com seus
vestidos impecáveis e suas formas perfeitas.
Olhando no meio da festa não consegui ver a princesa, sei que ela está
aqui e claro, deve estar deslumbrante com seu impecável vestido azul.
Procuremos por ela para entrevista-la e ouvi-la contar como está sua doce noite
de lua nova.
No castelo tem um lago no lado sul, um lago cristalino com pedras brancas
e azuis ao fundo, nas margens bancos e cisnes. Quando foi construído era para
ser o lago dos amantes, dos apaixonados com seus infindáveis passeios. Foi ali
perto que a princesa achou o sapo, que achou que seria seu príncipe. Que grande
confusão que até hoje aquele sapo causou e ele que hoje está casado com a bruxa
Magrela Magricela e morando lá no castelo escuro do outro lado da beleza.
O lago parece um espelho, de tão claro que suas águas são, ele é um lago
de água doce com peixinhos coloridos e simpáticos. E é lá que nossa princesa
estava, sentada, meio que deitada (daquele jeito quando você se joga no chão),
ela estava ali, a olhar para o lago.
A única coisa que a princesa viu refletida, e que ela levou um susto, foi
uma imagem com rugas, olhos baixos, uma boca caída. No desespero se levantou
correndo, com soluços altos e sem entender o que vira, apenas chorava. Não
entendia, se ela estava só, como poderia ver a imagem de uma senhora tão
sofrida pelos anos vividos?
De olhos fechados foi se abaixando lentamente, sentou-se abrindo os
olhos, olhando como se fosse para um espelho e o que viu era a mesma imagem que
havia acabado de ver, uma senhora, com a coroa real em seus longos cabelos
brancos e em seu colo caído e arfante estava a jóia da família real.
A princesa tentou tocar a imagem, mas ela se desfez e dentro de alguns
segundos lá estava àquela senhora novamente refletida no lago. Lágrimas vieram
aos olhos da princesa e ela levou os delicados dedos aos olhos com a incerteza
de enxugar seus olhos já vermelhos.
E esse foi um dos momentos mais apavorantes que nossa princesa já teve,
na imagem refletida no espelho d’água, também se levantou uma mão com a
tentativa de enxugar os olhos da imagem, mas era uma mão cansada, enrugada pelo
tempo, eram dedos já gastos pelo trabalho, mas naqueles dedos havia um anel, a
aliança de sua avó que estava na família real havia séculos, ou melhor, havia
milênios.
A princesa começou a soluçar. Soluços profundos e dolorosos, porém
silenciosos. Aquele anel era dela, era o anel que ganhou de sua avó quando
completou quinze anos.
A princesa ficou a contemplar sua imagem no lago por várias horas, passou
a mão em seus cabelos, em seus olhos, em seu nariz, em sua boca e percebeu que
a imagem era ela mesma, aquela imagem era como estava sua alma naquele momento.
O corpo ainda era jovem como uma donzela, mas sua alma estava tão velha,
tão velhinha, tão fragilizada, não pelo tempo ou pela idade, mas pelo
sofrimento, pela dor que ainda maltratava seu coração.
E a princesa chorou...
Tanto e tão profundamente, seus soluços eram tão dolorosos, que eu chorei
ao vê-la chorar...
Deixemos a princesa a sós com sua alma.
Autoria: Nanna Krishina