O lápis e a
borracha
Ana tinha aula e estudar é sempre uma mágica, às vezes a gente não vê,
mas todo encanto é assim, especial por ser invisível.
Todas as vezes que Ana ia para a escola era a mesma confusão, Ana
correndo, pegando a mochila que estava jogada ao chão, ajeitando os laços cor
de rosa que sempre prendiam suas longas tranças negras.
Ana nunca tinha as coisas no lugar e nem sabia o porquê, o mais crítico
era o estojo que ela carregava os lápis, nunca estava no lugar. Os lápis de
colorir pareciam bailarinas que antes do ensaio rodopiam cintilantes e felizes,
distribuindo risos perfumados e que nunca ficam quietas em um só lugar. A
borracha ficava quietinha lá no fundo do estojo, parecia triste e o lápis de
escrever sempre se escondia entre as folhas soltas das anotações e dormia
dentro do diário de Ana.
Depois de uma aula exaustiva e chatinha, Ana voltou para casa e foi para
seu quarto, trocou de roupa, almoçou, brincou, banhou, caminhou e se cansou
muito e muito. De noitinha tomou seu banho, escovou os dentes, sentou-se em sua
escrivaninha, pegou seu diário, ajeitou o cabelo, pegou sua mochila, retirou o
seu estojo, deu uma apontadinha no lápis e começou a contar à seu diário como
foi o seu dia. Foi contando, contando, bocejou e o sono foi chegando,
chegando...
Ana sentiu um toque bom em suas bochechas rosadas e começou a ouvir
sorrisos gostosos e abafados e deixou estar. Foi então que um puxão em seus
cabelos a fez despertar num grito alto e estridente que se completou ao
perceber que quem puxou seu cabelo foi o lápis laranja, que foi logo se desculpando
pela sua falta senso e o lápis vermelho foi logo em defesa da laranjinha que
era muito espevitada.
Ana de susto coçou os olhos para ver se enxergava melhor e se acordava
daquele sonho, nesse susto derrubou seu estojo e logo se seguiu um grito e um
choro tão profundo e comovente que Ana se lançou ao chão para ver o que
aconteceu. Junto com o estojo a borracha também caiu e com o tombo se machucou
de leve, mas seu coraçãozinho estava ainda mais machucadinho que logo começou a
tagarelar e reclamar da dor. A borracha ainda era nova, gordinha como as
borrachas no início de carreira, esta borrachinha em especial não se convencia
que gordinhas e faladeiras são legais e por isso ela sofria e chorava muito.
Ana se lembrou que não havia visto ainda o lápis de escrever, mas lá
estava ele, quase sufocado pelas páginas do diário que estava cantando uma música
americana tipo “emocore” para combinar com o momento, não era a toa que em sua
capa tinha uma guitarra e um piano desenhados.
Ana atordoada com aquele momento mágico e entregue ao encanto do momento sorriu
e começou a puxar assunto com os lápis de colorir. Conversa vai, conversa vem,
descobriu que elas eram bailarinas encantadas por uma fada da floresta, que
quando a mamãe árvore era pequenina, a fadinha prometeu para ela que sua vida
ia ser cheia de dança, cor e encanto. Assim que a arvorezinha cresceu foi para
a fábrica virar coleção de lápis, a fadinha apareceu de novo e do inanimado fez
surgir tule, renda, paetês e pontas, não de colorir, mas de passos de balé. E
assim se tornaram bailarinas com vestidos coloridos de todas as cores e com
pontas perfeitas.
Ana resolveu anotar em seu diário com seu lápis de escrever os
depoimentos de suas bailarinas-lápis e assim começou: blá, blá, blá, ops, errou
e lá foi pegar sua borrachinha novinha e então começou toda a confusão... O
lápis que escreveu não queria deixar a borracha apagar, que por sua vez era
toda empolgadinha, não conseguia apagar uma letra só e ia apagando e falando e
comentando e tudo virou uma confusão danada.
O lápis começou a escrever um monte de nada e a borracha por implicância
foi apagando e apagando, Ana foi ficando perdida, até que com um grito colocou
o lápis e a borracha sentados lado a lado. Porém sentaram-se de costas porque
não queriam se olhar, a borracha tremia e o lápis, que usava um boné para
esconder à careca, suava frio. Ana explicou coisas para eles, de como era mágico
aquele momento e como precisava dos dois, mas nada adiantou.
Ana até tentou dizer que a vida de lápis e borracha é diferente da vida
de gente. Gente nasce pequeno e vai crescendo, lápis e borracha nascem grandes
e vão ficando pequenos e se não parassem de brigar iam ficar pequenos bem
rapidinho.
O ensaio de balé dos lápis de colorir começou e Ana se sentou para ver. Admirada
ficou vendo saltos e giros ao som do diário pianista clássico. Por um segundo
Ana olhou a borracha, que olhava o lápis e suspirava. O lápis estava
confortavelmente deitado, assistindo o balé, de travesseiro usava pedacinhos de
borrachinha que a borracha deixara pela mesa quando apagara suas letras.
Engraçado, pensou Ana, diferentes e iguais, possibilidade na
impossibilidade, pois é, e uma idéia subiu a mente de Ana! Será?
Naquela noite Ana passou a observá-los e percebeu mais olhares
disfarçados do que poderia imaginar.
Conversando com a borracha, essa que tentou fugir e fingir que não era
com ela, acabou por deixar escapulir um suspiro, que tinha um misto de tristeza
e esperança. Ana percebeu que a borracha não se sentia a altura do lápis, que
realmente era alto, parecia um guerreiro da Idade Média , mas não era dessa
altura que a borracha falava, era da gentileza, doçura, encanto e blá, blá, blá
e lá vai um papo de apaixonada.
Ana decidiu fazer algo a respeito. Foi atrás do lápis, que ajeitou o
boné, colocou a mão no queixo e disse que nunca havia notado o olhar da
borrachinha. Ana quase chorou, pensou que tudo estava perdido, mas o lápis
ajeitou de novo o seu boné e disse: já que a vida era um encanto... Quem sabe?
Ichi!!! E nesse quem sabe, foi sabendo, foi sabendo dos ideais da borrachinha,
dos sonhos do lápis. Conversa indo e vindo, entre textos, erros, apagar e
refazer, a borracha e o lápis foram ficando pertinho, pertinho, até que
quiseram ficar mais pertinho ainda, coladinhos.
Ana, feliz da vida, estava mais feliz ainda, porque resolveu o problema
quase impossível da briga do lápis e da borracha e ainda os fez ver que as diferenças
são grandes atrativos para novas descobertas.
E foram tão novas descobertas que depois de um tempo, a borrachinha e o
lápis resolveram juntar as trouxinhas e foram morar juntos no porta-lápis da
escrivaninha. Foi uma linda festa e teve até fogos de artifícios, uma gritaria
danada e um terremoto que balançava Ana e que a fez despertar do sono.
Era Dona Joana que foi acordar a filha, que dormiu sobre o diário com
seus lápis, todos espalhados pelo quarto. As únicas coisas organizadas eram o
lápis e a borracha no porta-lápis. E lá foi Ana para a cama ainda muito
sonolenta e profundamente cansada.
No outro dia, Ana não sabia se foi sonho ou realidade, as bailarinas e a
história do lápis e da borracha, mas aproveitou para escrever em seu diário as
emoções da noite passada. Sua mãe entrou no quarto com um presente que Ana logo
desembrulhou, com a ânsia de quem acredita em contos e encantos. E de susto
caiu sentada na cama, seu presente era um lápis com uma borracha, era meio a
meio.
Hum... Será um sinal do encanto
que se tornou tão real quanto à realidade?
E Ana passou seus dias a imaginar que o presente de sua mãe era o filho
do lápis de boné e da borrachinha, que antes se achava gordinha e que agora se
achava fofinha. Ana certa vez escreveu em seu diário: não sabemos ao certo o
limite dos nossos sonhos, mas sabemos que seu resultado é tão real como aquele
que sonha.
Autoria: Nanna Krishina
Nenhum comentário:
Postar um comentário